03 janeiro 2009

Roger, um herói que se vai

Roger
Hoje tive a tristeza de ler nos jornais que Roger não é mais jogador do Fluminense. A impressão que tive é que Roger chegou muito tarde ao Fluminense. Roger é um jogador das antigas, daqueles tempos em que os jogadores ficavam em um só clube por toda uma carreira. Roger só atuou em três clubes em sua carreira: o Grêmio; o Vissel Kobe, no Japão e o Fluminense. Chegou no Fluminense aos 30 anos, uma pena. Mesmo assim ainda pôde brilhar como ídolo, fazendo o gol do nosso título mais importante dos últimos 25 anos.

Mais do que o gol do título, Roger foi um exemplo de vida, em tudo o que fez. Honesto, íntegro, correto, um jogador raro. Dentro de campo, um leão, um zagueiro que quando caía pela lateral ensinava aos nossos laterais como é que se joga. Suas arrancadas eram mortais. Sabia o que fazer quando chegava à linha de fundo, cruzava a bola com a perfeição de quem foi lateral por mais de dez anos. Quando estava na área, tinha a calma dos atacantes para marcar. É um jogador diferenciado.

Nunca vou me esquecer do jogo contra o Internacional, pelo campeonato brasileiro de 2007. Era a última partida antes das finais da Copa do Brasil, contra o Figueirense e o técnico Renato Gaúcho escalara o time reserva. Pouco mais de 4 mil tricolores compareceram ao Maracanã para ver uma pequena obra-prima. Roger formava a zaga com Anderson. Não era um time reseva qualquer, pois além de Roger, Thiago Neves jogava no meio campo. Fazer o quê? Renato Gaúcho não enxergara que Thiago Neves jogava mais que o Carlos Alberto... Mas enfim, vencíamos por dois a zero, o primeiro gol, um golaço de falta de Thiago Neves, e o segundo gol foi um belo lançamento do David para o Rafael. Aos 12 minutos do segundo tempo, o Internacional ataca e Roger, dentro da área corta a bola, que sobra mais à frente aos pés de outro jogador colorado. Roger divide a bola, ganha a dividida e inicia a arrancada. Atravessa o meio campo, onde passa a ser seguido de perto por um defensor do Inter. Continua em frente, mesmo marcado, até chegar à linha de fundo, quando o jogador do Inter toma-lhe a frente da bola. Parecia que a jogada estava perdida, mas Roger se atira ao chão e com um carrinho, atinge a bola e faz um cruzamento perfeito para o Tiuí, que entrava livre no meio da área. Gol! Três a zero para o Fluminense. Um gol genial, marcado por Tiuí, mas que teve a assinatura de Roger.

Infelizmente o Fluminense é um clube que maltrata seus ídolos. Roger não foi o primeiro, o mesmo descaso aconteceu há pouco tempo com o Marcão. No passado, ídolos como Flávio, o Minuano, Batatais, Veludo e Castilho também sofreram com a ingratidão da diretoria tricolor. Definitivamente, o Fluminense, sua torcida e seus jogadores não merecem a diretoria que têm.

Ao Roger, nosso sicero agradecimento e, como homenagem, sua carta de despedida:

"DESPEDIDA AOS TRICOLORES. AOS VERDADEIROS.

"Cheguei ao Rio de Janeiro com a minha cara e a personalidade de gaúcho. Anos e anos no Grêmio. Imagem formada no Rio Grande do Sul, onde cresci e ganhei muitos títulos. Vindo do Japão, com outra cultura enraizada, pensei o quanto complicada seria a minha volta ao futebol. Pensei em parar. Estudar e me formar. Mas veio um convite. Outro tricolor na minha vida.

"O Fluminense me abria as portas para um mercado novo e capaz de alavancar ainda mais a minha carreira. Senti pelo clima na chegada que a cidade do Rio de Janeiro seria muito boa pra mim. Amigos, irmãos, parceiros. O carioca tem esta característica, de abraçar as pessoas e assim me motivei e me senti de novo em casa. Tive um primeiro ano ruim, me adaptando, mas também me lesionando. Lateral ou zaga? Sempre na dúvida, até que me decidi mesmo pela zaga, onde seria mais útil. Foi assim que em 2007 fizemos a grande campanha da Copa do Brasil e conquistamos o título. Uma alegria que acho que carreguei sozinho pelos olhos da torcida, por ter sido o autor do gol, mas na verdade fizemos um grupo imbatível, amigo e campeão. Era hora de seguirmos na Libertadores. Era um sonho para o clube.

"Fizemos um ano de 2008 brilhante. A Libertadores não veio por detalhes, mas me orgulhei outra vez de estar junto com atletas de alto nível e que se espenharam demais. A torcida foi maravilhosa. Incrivelmente apaixonada, ela entendeu o esforço de todos e viu que ninguém tirou o pé. Eu passava por mais um capítulo em minha história. Uma história bonita e de amor por um outro clube de três cores. Aliás, descobri que tudo que tem três me encanta. Até minha camisa passou a ser a três e não a seis. E na Libertadores, lá estava ele de novo, o 3 na camisa 13.

"Chegava então o fim do ano. Não foram três, mas foi uma hérnia que me ajudou a tirar o prazer de poder ajudar o grupo, que numa situação difícil brigava para não cair no Brasileiro. Nos livramos, mas meu sentimento era de dor, interna e externa. Sem poder ajudar, só que intenso na ajuda pessoal. Todo dia cedo, como sempre fiz. Amigo, companheiro, conselheiro. O time ficou na série A, mas eu saí. Me senti afastado, alijado, longe de tudo aquilo que sempre tratei com enorme carinho, mesmo vendo problemas e dificuldades. Mas o Roger era legal, nunca abria a boca. Um exemplo!!

"Mas aí faltaram mais uma vez três palavras básicas no meu conceito de relacionamento humano e de trabalho: respeito, atitude e gratidão. Fui acometido de uma enorme tristeza pelo que vi nos jornais deste dia 2 de janeiro. Estava dispensado pela mídia. Passaram as festas, fiquei na expectativa de que pelo menos pudesse receber um telefonema, para me sentir moralmente liberado e poder aceitar outras propostas que vieram, mas que recusei em respeito ao meu compromisso com o clube até 31 de dezembro. Ficar? Não acreditava, verdadeiramente. Renovar? Achava difícil. O clube podia ter achado alguém mais jovem, mais barato. Perfeito. Esta é a ordem natural da vida, apesar de me sentir bem ao extremo para render forte em pelo menos mais dois ou três anos. Só que nem sobre o meu tratamento quiseram saber mais. Hérnia? Que hérnia? Eu sei me cuidar sozinho!! Mas este é o futebol. Ou será que esta é a vida do futebol? Vejo pelos exemplos de jogadores que com muito mais representatividade que eu num clube são sumariamente dispensados. O que mais me assusta, no entanto, é ver que os menos profissionais, que fazem e acontecem em seus períodos de contrato, com atrasos, bebidas e outras coisitas mais, saem da mesma forma que os que se comportam de forma profissional e regrada. Eu não mudo. Que mudem os outros.

"Aproveito esta carta para me despedir dos verdadeiros tricolores cariocas. Os roupeiros, massagistas, tratadores de campo, porteiros do clube, cozinheiros e garçons, seguranças e todos aqueles que pouco aparecem, mas que merecem meu apoio. Estes são amigos, profissionais e tricolores. E me despeço com enorme prazer do torcedor 30 vezes campeão do Rio. Este é maravilhoso e me fez gostar da cidade, do clube e de defender as três cores que traduzem tradição com todo coração. Muito obrigado, até breve e esperando ter deixado em todos uma imagem positiva e capaz de ser, mesmo daqui há muitos anos, abraçado por aqueles que me abraçaram assim que cheguei na cidade maravilhosa.

"Saudações trilegais de um tricolor de coração."

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